estou ausente.pior do que estar ausente dos outros, é estar ausente de mim.
é não saber em que porto seguro atracar, quando temos toda uma praia disposta a receber-nos, deitados no areal, o corpo vivamente morto.
são tantas as razões, que é cansativo nomeá-las e perco-me no facto de 'não ser'.
relembro as alturas em que um abraço resolvia tudo, em que chorar resolvia tudo.
hoje, um abraço complica mais e um choro inicia novos desafios, nesta roda viva de não saber mais como se fugir.
estou tão louca que já nem pra mim faço sentido e tenho medo de adormecer e não saber mais acordar, por não ter razões.
medo de morrer, não fisicamente, mas de morrer para mim, morrer para o sentido das coisas e a vida comum que nos espera, morrer para o palpitar da cidade às cinco da manhã numa rotunda. morrer para o nevoeiro que se instala, para o frio que nos percorre, para as conversas que se tem e se perde e já não se lembra - mas que ajudam. morrer para as frases que ficam na memória, para as mãos que se dão e seguram lágrimas, para o poder de uma roupa, para o poder de uma tarde num restaurante de fast food. morrer para o poder de um fado, para o força que uma fonte pode ter, morrer para um sorriso, morrer para uma lágrima. morrer para os opostos e para as certezas que só têm força por as julgarmos tão incertas. morrer para os cafés, para o mundo branco e baço e tresloucado, morrer para os Lusíadas, morrer para o sabor de um iogurte. morrer para as galinhas e os pius e toda a vida que se encerra nas pedras que choram. tenho medo de morrer.
morrer para o facto de chegar a casa e não saber dormir.
estou ausente de mim e preciso de paz.
mas quanto mais preciso, menos a quero.
e toda esta electricidade que me percorre, faz-me tão mal que me faz bem.
o teu bem faz-me tão malo teu mal faz-me tão beme agora vou dormir, se me dão licença.
que amanhã tenho outro dia para não-viver, vivendo.