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Olha para mim. Não te atrevas a fazer de conta que não estou aqui, tu sabes que eu existo.
Já fui o doce nos teus lábios, a secura das palavras. Em tempos percorri-te, eléctrica, fui o sexo no teu corpo. Deixaste-me ser a sombra dos teus passos, a brisa nas portas que se abriam à nossa passagem.
Não te atrevas a fazer de que conta que não estou aqui, tu sabes que não fui embora ainda.
Já fui o doce nos teus lábios, a secura das palavras. Em tempos percorri-te, eléctrica, fui o sexo no teu corpo. Deixaste-me ser a sombra dos teus passos, a brisa nas portas que se abriam à nossa passagem.
Não te atrevas a fazer de que conta que não estou aqui, tu sabes que não fui embora ainda.
Pesa-me em memórias o crucifixo onde me enalteceste. Eu nunca disse que sofreria por ti. Nunca te prometi a eternidade, nem tão pouco o presente instantâneo de uma mousse de chocolate. Eu não sou de fazer promessas, pelo medo horrendo da culpa por não as ter cumprido. Olha para mim. Não chores. Não te atrevas.
Já foste poesia nas minhas impressões digitais e estradas longas em noites de calor. A minha lareira em pleno inverno, sonhos a voar pela boca, adolescente. Foste a coisa mais pura que consegui construir, e ao mesmo tempo sinto-me corrompida por te chamar coisa.
Coisa. Coisa. Coisa.
Em tempos fui a faca e tu o talhante. Os corações de ambos à mercê da loucura. Mas tu safas-te sempre dessas misérias, és um gajo esperto. Por isso é que agora não te admito que me vires as costas.
Olha para mim. Não te atrevas a dizer-me que vais sempre recordar, tu sabes que o tempo esquece tudo. Não me mintas tão descaradamente; eu já fui o teu corpo, já vivi na tua mente, eu pertenci à tua voz.
Olha para mim, só. Porque eu só vou partir quando me olhares nos olhos e eu conseguir despachar para a tua alma o peso que carrego por ter chegado o fim. És a faca e o talhante agora.
Já foste poesia nas minhas impressões digitais e estradas longas em noites de calor. A minha lareira em pleno inverno, sonhos a voar pela boca, adolescente. Foste a coisa mais pura que consegui construir, e ao mesmo tempo sinto-me corrompida por te chamar coisa.
Coisa. Coisa. Coisa.
Em tempos fui a faca e tu o talhante. Os corações de ambos à mercê da loucura. Mas tu safas-te sempre dessas misérias, és um gajo esperto. Por isso é que agora não te admito que me vires as costas.
Olha para mim. Não te atrevas a dizer-me que vais sempre recordar, tu sabes que o tempo esquece tudo. Não me mintas tão descaradamente; eu já fui o teu corpo, já vivi na tua mente, eu pertenci à tua voz.
Olha para mim, só. Porque eu só vou partir quando me olhares nos olhos e eu conseguir despachar para a tua alma o peso que carrego por ter chegado o fim. És a faca e o talhante agora.
Eu levo o coração.






mas que filha da puta. vai-se a ver e já nada é como dantes. as coisas mudam, desvanecem-se. vai-se a ver e o moço já nem gosta dela ou ela anda enrolada com outro. vai-se a ver e já tá prenha de um sonho moribundo ou é já falácia de um futuro promissor. filha da puta é o que é. anda uma pessoa a construir castelos de sonhos para os vendavais os transformarem em barracos e para os pássaros fazerem ninhos nas caldeiras de almas puras. vai-se a ver e já não é nada do que se tinha pensado, já não vai pra faculdade nem morar no estrangeiro. vai-se a ver e vai trabalhar a servir as mesas e a escrever poemas nos talões dos clientes, escrava de um retrato pior que um reflexo de espelho partido. filha da puta. filha da puta. anda-se a maltratar as sombras, a pensar que o sol quente nos enriquece, e afinal todo aquele glamour dourado é falso, insípido, desprecioso, maltrapilha. anda-se a plantar dores para colher ensinamentos, mas no fim são tudo ervas daninhas da idade. filha da puta. mesmo filha da puta. vai-se a ver e a boa moça tem duas caras que não conjugam, e público que não sabe a que cara assistir, qual ecrã de televisão. às tantas voltam os emigrantes retornados da ilha do esquecimento por esquecer... e vai-se a ver e volta-se ao passado, em vez de se prosseguir do presente para o futuro, como nos ensinaram os paizinhos. olha-me que filha da puta! vai-se a ver e já tem bilhete de comboio para sítio nenhum, com escala incerta em parte alguma. vai-se a ver e deixou uma carta sem remetente nem destinatário, com as verdades todas do que sente e do que não sente, tão rídicula, tão parvinha, tão sem sentido - tudo tão sem sentido.... vai-se a ver, e é mesmo só isso que podemos levar desta vida filha da puta.

