sexta-feira, 30 de julho de 2010

if you are but a dream


Há todo um swing no movimento. A pele é arrastada ao de leve, com carinho, quando a mão toca na face, quando ele mergulha nos olhos dela. Ela chora, ele não percebe. Os homens nunca percebem porque é que as mulheres choram em momentos de suposta alegria.
É inverno e a cidade clama calor. Dentro das casas vive-se, enquanto nas ruas se respira a morte dos sentimentos. Ela já não sabe para onde foi o amor e é por isso que chora. Procurou-o incessantemente enquanto ele esteve fora, e agora que ele chegou... nada mais existe.
São ele e ela, nas ruas, na cidade, no frio. Ele seca-lhe as lágrimas com um beijo e, como sempre fazia, beija-lhe a testa em sinal de maximo respeito. Quem visse de longe quase, quase podia jurar que viveriam felizes para sempre. Quem visse de longe, nada sabia decerto.
Ela estava linda - ele podia jurar que ela estava linda; nada tinha mudado. O rosto, mudo, contava histórias do tempo em que ele tinha estado ausente. Reconhecia cada pedaço da mulher que tinha ficado para trás, porque ela não tinha de facto desaparecido.
O que ele não sabia, no entanto, é que além da mulher que amava, outras mulheres tinham surgido em seu corpo, concretizando as vontades estranhas que as mulheres têm de se contorcer em voltas e revoltas, donas e senhoras de várias almas por esculpir. No olhar, ele viu fogo após as lágrimas. Um fogo que não conhecia, porque não estava lá antes. Antes, quando ele estava. Antes, quando eles eram eles. Antes, quando quem visse de longe podia mesmo jurar que viveriam felizes para sempre.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

statement



Às vezes gostava que as coisas fossem fáceis o suficiente para perceberes o que te quero dizer sem ter de falar - é tao bom quando alguém nos consegue ler nas entrelinhas e nos consegue adivinhar por muito oposto que o seu caracter seja do nosso.
Há pessoas que nos conhecem demasiado bem, que quase adivinham quando precisamos de endireitar o nosso pensamento.

E sim, um primeiro amor nunca se esquece. E o passado encontra-nos sempre, quando mais precisamos avançar no tempo rumo a um novo futuro - nem que seja só para nos lembrar do que já foi, para que não se volte a repetir. Porque, no fundo, é assim que funciona o mundo.
[2008]

divagações 'do espaço'


O mundo é muito pequeno. Minto. É demasiado pequeno.

Atropelamo-nos nas nossas emoções em plena avenida, corroemo-nos por dentro com as divergências de passado e futuro, ecoamos incertezas de coincidências maltrapilhas.

O mundo é muito, muito pequeno, de facto.

E, pior do que ele ser pequeno, é quando nós ainda ajudamos para que ele encolha mais um pouco. Escravos das coincidências, gostamos que tudo tenha o doce sabor do indefinido. Nem que seja forçado.

'Que engraçado encontrar-te por aqui' é sinónimo de 'até que enfim que apareceste, tenho andado a rondar este sitio há semanas'. E 'que engraçado, também adoro essa música' seria o equivalente a dizer 'eu sabia que gostavas, por isso fui ouvir também...'.

Seria o sinónimo e equivalente se os seres humanos fossem sinceros - outro ponto fulcral.

Não somos. O flirt tem por base a máscara, que por sua vez tem por base todo um historial de mentirinhas (inocentes, claro) que contamos ao outro e que acabamos por contar a nós próprios.

E sim: as mulheres são exímias na arte do flirt.

Podem nunca ter praticado desporto na vida, mas se engraçarem com o surfista lá vão elas todas atléticas pôr-se em cima de uma prancha, só para o gostosão ensinar como se faz - note-se que isto tem piada nos primeiros encontros, depois toda a encenação de acordar as seis da manhã 'para apanhar as melhores ondas' deixa de valer a pena, por muito bom que seja o sexo.

Podem odiar comidas exóticas ou cinema independente, mas vão sorrir quando engolirem algas salteadas no chop soy ou quando virem o último filme do realizador francês que apenas um terço da população nacional conhece, tudo porque acham piada ao intelectualóide que é amigo da prima do amigo.

Os homens, apesar de mais preguiçosos, deixam-se manipular ao início, para nós pensarmos que eles de facto são manipuláveis. Depois, armados em macho latino, enchem o peito de ar e, poderosos, batem o pé face às circunstâncias.

Resultado? Mulheres frustradas porque nenhum homem lhes preenche as medidas, com todas as suas esquisitices e hábitos inconcebíveis, e Homens que vêm nas mulheres bichos que falam porque adoram ouvir o som da sua voz, sem se importar com mais nada no mundo.

Mundo esse que é de facto muito muito pequeno. Minto. Demasiado pequeno.

É por isso que é preciso termos cuidado quando relembramos episódios antigos em voz alta, ou nos cruzamos com uma pessoa anteriormente importante na nossa vida - as paredes têm ouvidos, e além disso podem ter mãos, sorrisos, beijos, toques. E podem encontrar-nos, por muito que tentemos fugir - já que o mundo é de facto muito pequeno.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

cinco da manhã


às vezes pensamos que está tudo bem e depois verificamos que não está.
pensamos que tudo se resolve se deixarmos as coisas quietas no sítio, e que elas so voltarão para nos assombrar se formos remexer no enorme baú que é o passado. mas às vezes as coisas vêm ter conosco.
e mesmo por entre gargalhadas percebemos o que perdemos... e vemos na pessoa à nossa frente a oportunidade que se foi. depois recordamos por que é que foi. e é aí que começam as lágrimas. a típica auto-desculpa do 'não estou a chorar por tua causa', visto que, de facto, as lágrimas são despoletadas por um acontecimento, mas o choro por completo remonta a todas as vivências fracassadas. uma mulher que chora, não chora naquele momento por aquela razão; chora naquele momento por todas as razões e por todos os momentos.

às vezes pensamos que está tudo bem e depois verificamos que não está.
e depois percebemos que temos vinte anos, e se calhar é altura de parar de brincar às escondidas.
já chega.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

18.07.2010

.vinte.


Eu amo-te não tem utilidade.
Eu amo-te não tem lugar.
Eu amo-te não é uma frase: não transmite um sentido,
mas prende-se a uma situação limite: 'aquela em que o sujeito está suspenso numa relação especular com o outro'.
Ainda que se diga milhares de vezes, eu amo-te não entra no dicionário
(...)
Fragmentos de um Discurso Amoroso,
Roland Barthes

domingo, 18 de julho de 2010

vinte.

I write like
James Joyce

I Write Like by Mémoires, Mac journal software. Analyze your writing!




[obrigado tiago*]

terça-feira, 13 de julho de 2010

das relações


às vezes dá vontade de sentar um homem numa cadeira e tentar explicar-lhe que a mulher é um ser místico, oriundo de um microcosmos paralelo, que vive consoante as suas próprias regras e que faz parte da sociedade, é um facto, mas participa nela como bem lhe apetece e não como ele gostaria que ela participasse.
sim somos umas cabras. sim fazemos trinta por uma linha, manipulamos, recortamos corações com tesouras de bicos e penduramo-los em quadros de cortiça, quais souvenires. e no final ainda somos capazes de lhe chamar a ele cabrão e reunir as amigas em sessões de voodo anti-masculinidade. é verdade, fazemos o que queremos. já dizia a minha avó que uma mulher com um decote generoso e conversa dengosa consegue de um homem até a independência de um país.
e é por isso que para nós eles são considerados bichos básicos, criaturas rotineiras de quem apreendemos os hábitos para depois os sabermos contornar. falam de mulheres, futebol, cultura geral e coisas de que se possam orgulhar - a.k.a. carros, talentos, feitos, hobbies, sonhos. há dois tipos de mulher: a que é para casar e a que é para fechar num quarto. a primeira nunca poderá fazer o mesmo que faria a segunda, porque será um dia a mãe dos pimpolhos e figurará em retratos de família. e a segunda nunca poderia ser o que a primeira era, pelo simples facto de terem começado pelo fim da linha, e ser impossível inverter a marcha.
depois há os homens-menino, que vivem ao sabor do vento sem querer saber do amanhã. os homens-carreira, com projectos, atitude, futuro. os homens polvo, que se desdobram em vidas múltiplas e sobrevivem á base de segredos. os homens-só, que pensam que não precisam de mulheres para nada. os homens-filho, que vêm na namorada uma segunda mãe. os homens-fácil, que fazem com que começar e acabar o que quer que seja na sua vida seja constantemente... fácil. os homens-pai, que nasceram para constituir família. os homens-mundo, que experienciam cada dia e vivem como se cada decisão fosse uma viagem.
e depois há simplesmente os homens. aqueles que não conseguimos incluir em nenhuma categoria porque não conseguimos desvendar. habitualmente orgulhamos-nos de sermos nós a peça indecifrável do puzzle, mas a verdade é que a maioria das vezes complicamos só porque os achamos a eles complicados. ou porque simplificar não o vai fazer ficar.
'hoje em dia as pessoas já não querem relações, acho que é um problema social'.
em vez de nos tentarmos perceber devíamos antes olhar nos olhos, ver simplesmente aquilo a que nos estamos a entregar, aquilo que vai fazer também parte de nós.
assim já não haveria categorias, nem tampouco a necessidade de incluir um homem nelas para o descodificarmos e encontrarmos a maneira, quer de lhe dar a volta, quer de o fazer desaparecer da nossa vida - ou, quem sabe um dia, quando voltar a ser moda descomplicarmos e amarmos sem limites ou paredes falsas de orgulhos independentes, fazê-lo ficar.

domingo, 11 de julho de 2010

(sim, fui ao cinema ver uma comédia romântica)


é suposto ser fácil?
é que há muita gente, demasiada gente, que faz com que pareça fácil.
que é uma luta constante, já sabemos. que as pessoas não encaixam como peças, não é novidade. que temos de nos adaptar, ceder, aprender, moldar, criticar mas ouvir, repensar, ponderar, respirar fundo (ás vezes mesmo dar dois berros) acarinhar depois, procurar, fugir, desvendar, querer... sempre nos disseram que seria assim.
mas não, nunca nos disseram que seria tão dificil.
ou se disseram, não quisemos ouvir, quanto mais não fosse por que víamos outros a quem a vida corria feliz, simples, plena. quanto mais não fosse porque nos espetavam com a treta do principe encantado na cara e enquanto diziamos 'pash, isso é para falhadas', fungavamos na almofada a desejar um homem assim.
não é que seja fácil, é só que... ok, para algumas pessoas parece mesmo fácil. não é tão irritante assistirmos a um casal que termina as frases um do outro? ou um homem que oferece uma rosa só porque sim e não porque, como seria de esperar, fez asneiras e procura redenção?
não, não é que seja fácil, porque em algum momento todas nós já percebemos que não é.
mas às vezes é demasiado dificil sempre para a mesma pessoa.
ou talvez seja a pessoa que é sempre demasiado dificil.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

skin thin

todas as mulheres recordam o toque. podem esquecer as palavras, futéis, fáceis, quebradiças, vidros toscos plantadores de sorrisos, unhas cravadas no peito quando pronunciadas a seco, 'estás a magoar-me tanto'. todas as mulheres do mundo podem dizer que não se lembram da ocasião, da música que tocava ao fundo, se era dia ou noite, que roupa traziam vestida, como usavam o cabelo, se tinham maquilhagem ou se a chuva árida da alma a tinha já manchado, corrompido todas as certezas, 'pensei que sempre nos teríamos um ao outro'.
que horas eram, ainda havia 'tempo'? onde estavamos, o que fazíamos? fui eu ou tu quem foi embora?
o tempo, malvado, bom amigo, uísque, doce veneno que vem resgatar-nos das más memórias... desvanece também tantos pormenores que gostavamos de ver gravados, a ferro e fogo, polaroid honesta dos momentos, 'eu acreditava num futuro nosso'. o tempo vem contar-nos outra história, ao ouvido; apaga as más memórias, abraça-nos nas tormentas e à medida que vai passando... já passou. mas o toque, o toque nunca desvanece.
o toque é uma casa, onde tudo o resto habita. onde nos entregamos, reféns de sentimento, e nos deixamos ficar, aninhados, peças de sangue, amor, 'não me deixes aqui sozinha'.
sei que era de noite; talvez manhã? estavamos no carro; na praia, digo. foi ontem, de certeza, ou talvez há dois anos. eu era já uma mulher, mas sempre fui uma menina. saí disparada ou despediste-te de mim? tinha uma flor no cabelo, não me lembro se levava o cabelo apanhado.
releio as cinzas de todas as histórias em que alguém me teve e me pertenceu.
a cada palavra falta o sopro da verdade que a escreveu, pois o tempo alterou cada pormenor, sem piedade.
não se esquece o toque, porque além de moldar o corpo, alcança-nos as entranhas. e depois de entrar, cofre do peito, rasteja, implora, anseia - mas não sai, não, nunca sai, 'não acredito que te foste embora'.