sexta-feira, 9 de julho de 2010

skin thin

todas as mulheres recordam o toque. podem esquecer as palavras, futéis, fáceis, quebradiças, vidros toscos plantadores de sorrisos, unhas cravadas no peito quando pronunciadas a seco, 'estás a magoar-me tanto'. todas as mulheres do mundo podem dizer que não se lembram da ocasião, da música que tocava ao fundo, se era dia ou noite, que roupa traziam vestida, como usavam o cabelo, se tinham maquilhagem ou se a chuva árida da alma a tinha já manchado, corrompido todas as certezas, 'pensei que sempre nos teríamos um ao outro'.
que horas eram, ainda havia 'tempo'? onde estavamos, o que fazíamos? fui eu ou tu quem foi embora?
o tempo, malvado, bom amigo, uísque, doce veneno que vem resgatar-nos das más memórias... desvanece também tantos pormenores que gostavamos de ver gravados, a ferro e fogo, polaroid honesta dos momentos, 'eu acreditava num futuro nosso'. o tempo vem contar-nos outra história, ao ouvido; apaga as más memórias, abraça-nos nas tormentas e à medida que vai passando... já passou. mas o toque, o toque nunca desvanece.
o toque é uma casa, onde tudo o resto habita. onde nos entregamos, reféns de sentimento, e nos deixamos ficar, aninhados, peças de sangue, amor, 'não me deixes aqui sozinha'.
sei que era de noite; talvez manhã? estavamos no carro; na praia, digo. foi ontem, de certeza, ou talvez há dois anos. eu era já uma mulher, mas sempre fui uma menina. saí disparada ou despediste-te de mim? tinha uma flor no cabelo, não me lembro se levava o cabelo apanhado.
releio as cinzas de todas as histórias em que alguém me teve e me pertenceu.
a cada palavra falta o sopro da verdade que a escreveu, pois o tempo alterou cada pormenor, sem piedade.
não se esquece o toque, porque além de moldar o corpo, alcança-nos as entranhas. e depois de entrar, cofre do peito, rasteja, implora, anseia - mas não sai, não, nunca sai, 'não acredito que te foste embora'.

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