Hoje lembrei-me. Lembrei-me de estar na aula de educação visual no nono ano e de estar a desenhar o logótipo de um bar que nós as quatro teríamos um dia, coisa de que falamos novamente este sábado. Lembrei-me do meu primeiro blind date e ri-me pela fragilidade das emoções - gostei tanto, tanto de ti. Lembrei-me de Londres, de ele se ter enfiado dentro de um armário e de ter reclamado dos 'trevos' na sande. Lembrei-me do outro que berrava à janela, lembrei-me dela que nos acompanhou até outras partes do mundo, e que agora já cá não está para ver os meus filhos, um dia. Lembrei-me de ter chorado por não querer ser menina das alianças do meu irmão. Lembrei-me da noite em que choramos os três, a ler Fernando Pessoa. Lembrei-me de dançar valsa e de que há fotos e vídeos - ainda não acredito que passei essas vergonhas. Lembrei-me dos teatros, dos textos lidos em voz alta na biblioteca, da vez em que me disseram 'continue a escrever e será melhor que muitos escritores'. Lembrei-me das paixões, uma por uma; do burburinho, das palpitações, da ansiedade na barriga. Lembrei-me do primeiro concerto a que fui, da primeira vez que vi neve. Lembrei-me de Roma, dos gelados, dos artistas. Lembrei-me dos europeus de Arpino e Sulmona. Lembrei-me da fotografia no jornal, da doçura de chegar de viagem e ter tanto para contar. Lembrei-me da noite de S. João, em que passei a melhor amiga por guardar um segredo como tesouro. Lembrei-me dos amigos - dos que fiz, mantive, perdi, reencontrei. Lembrei-me da primeira vez que fui à faculdade. Lembrei-me de a ter recusado três vezes no hi5 e de agora falar com ela sobre tudo. Lembrei-me de ter pensado que o mundo ia acabar quando não escolhi Jornalismo. Lembrei-me da primeira vez que disseram 'andam sempre as quatro!'. Lembrei-me das noitadas a estudar, dos Homens de Amanhã. Lembrei-me da primeira vez em que ajudei o meu sobrinho a fazer os tpc, e da primeira vez em que peguei nos pequerruxos ao colo. Lembrei-me dos meus 18 anos - agora sei que foi o ano mais importante de todos. Lembrei-me de quando via as Navegantes da Lua e sonhava casaar com o Mascarado. Lembrei-me do baile de finalistas que não tive mas que ela me deu, porque no final... estamos sempre juntas. Lembrei-me de ter seis anos e ter recebido um chocolate da professora, por ter conseguido ler a palavra 'pássaros'. Lembrei-me do dia em que o meu sobrinho nasceu; eu era tão pequenina. Lembrei-me de como eram as mensagens de 'bom dia' dele que me faziam aguentar todos os dias. Lembrei-me do livro de curso, das palavras que se vão... Lembrei-me das tardes no sofá dela, a ver séries e devorar tudo o que havia na dispensa. Lembrei-me de ter casado no recreio na escola, e terem atirado arroz em forma de benção - e do significado que Arroz tem para nós, agora. Lembrei-me da minha primeira entrevista de emprego, e de estar sentada no banco do palácio de cristal, quando me ligaram de outro sítio, para uma outra entrevista. Lembrei-me da primeira rosa que me ofereceram, lembrei-me daquele que ia desaparecer mas afinal não. Lembrei-me dos almoços em casa dela, às sextas feiras: pizza e um filme. Lembrei-me da carta que entreguei, quando o pedi para Padrinho. Lembrei-me dos muros, das pedras, da varanda, do vinho, da fonte, das faixas, da t-shirt, das saudações, da capa - agora no armário. Lembrei-me do primeiro romance que escrevi, e das alturas em que não acreditavam que era eu que escrevia o que quer que fosse. Lembrei-me de ter treze anos e ler Florbela Espanca. Lembrei-me da minha cadela, dos meus peixinhos, dos meus hamsters. Lembrei-me da minha avó. Lembrei-me de que cresci sem me aperceber.
Vinte anos, quase quase.
(estou repetitiva, de tão velha, vejam só).
1 comentário:
Lembro-me tanto dela e de tanto que ficou por lhe dizer e por lhe mostrar.
Lembro-me e as lágrimas caiem me das saudades que tenho.
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