O mundo é muito pequeno. Minto. É demasiado pequeno.
Atropelamo-nos nas nossas emoções em plena avenida, corroemo-nos por dentro com as divergências de passado e futuro, ecoamos incertezas de coincidências maltrapilhas.
O mundo é muito, muito pequeno, de facto.
E, pior do que ele ser pequeno, é quando nós ainda ajudamos para que ele encolha mais um pouco. Escravos das coincidências, gostamos que tudo tenha o doce sabor do indefinido. Nem que seja forçado.
'Que engraçado encontrar-te por aqui' é sinónimo de 'até que enfim que apareceste, tenho andado a rondar este sitio há semanas'. E 'que engraçado, também adoro essa música' seria o equivalente a dizer 'eu sabia que gostavas, por isso fui ouvir também...'.
Seria o sinónimo e equivalente se os seres humanos fossem sinceros - outro ponto fulcral.
Não somos. O flirt tem por base a máscara, que por sua vez tem por base todo um historial de mentirinhas (inocentes, claro) que contamos ao outro e que acabamos por contar a nós próprios.
E sim: as mulheres são exímias na arte do flirt.
Podem nunca ter praticado desporto na vida, mas se engraçarem com o surfista lá vão elas todas atléticas pôr-se em cima de uma prancha, só para o gostosão ensinar como se faz - note-se que isto tem piada nos primeiros encontros, depois toda a encenação de acordar as seis da manhã 'para apanhar as melhores ondas' deixa de valer a pena, por muito bom que seja o sexo.
Podem odiar comidas exóticas ou cinema independente, mas vão sorrir quando engolirem algas salteadas no chop soy ou quando virem o último filme do realizador francês que apenas um terço da população nacional conhece, tudo porque acham piada ao intelectualóide que é amigo da prima do amigo.
Os homens, apesar de mais preguiçosos, deixam-se manipular ao início, para nós pensarmos que eles de facto são manipuláveis. Depois, armados em macho latino, enchem o peito de ar e, poderosos, batem o pé face às circunstâncias.
Resultado? Mulheres frustradas porque nenhum homem lhes preenche as medidas, com todas as suas esquisitices e hábitos inconcebíveis, e Homens que vêm nas mulheres bichos que falam porque adoram ouvir o som da sua voz, sem se importar com mais nada no mundo.
Mundo esse que é de facto muito muito pequeno. Minto. Demasiado pequeno.
É por isso que é preciso termos cuidado quando relembramos episódios antigos em voz alta, ou nos cruzamos com uma pessoa anteriormente importante na nossa vida - as paredes têm ouvidos, e além disso podem ter mãos, sorrisos, beijos, toques. E podem encontrar-nos, por muito que tentemos fugir - já que o mundo é de facto muito pequeno.