sábado, 26 de junho de 2010

o singular de 'mim'


Às vezes simplesmente não sei o que te dizer. Sei que achas estranho, porque desde sempre fui dotada de uma grande capacidade de comunicação e sempre conversei até com o senhor que esperava atrás de mim na fila da padaria, mas a verdade é que às vezes dou por mim sem ter o que te dizer. Simplesmente sinto a garganta a fechar-se, e a voz claustrofóbica, relutante, nessa insegurança tola de não se saber exprimir. Apodera-se de mim um silêncio tão confortável e ao mesmo tempo tão aterrador... Imagino-nos velhinhos, num qualquer alpendre daqueles filmes americanos, sonhos idílicos de uma vida tão longa... E imagino-nos, quietos; tu a contares as nuvens de um céu mais azul do que nós nos lembravamos ser possível, e eu calada, imberbe, seca.

O singular de mim sempre aniquilou o plural de nós. Eu costumava dizer que era uma estrela do mar, que se autoreproduz e autosustenta, sozinha. Sozinha.

Sempre gostei de partilhar, mas nunca soube como manter alguém ao meu lado o tempo suficiente para o fazer. Sempre gostei de imaginar que teria um futuro, mas a cada presente que tentava construir sentia tudo a desmoronar-se, com aquela facilidade maléfica que um sopro tem de derrubar um castelo de cartas.

Nunca soube ser plural. Nunca me habituei a ter alguém, porque sempre me preenchi e transbordei de mim mesma, com tudo o que conseguia sugar da vida.

Por isso, meu querido, não me leves a mal quando te digo que não tenho nada para te dizer.

Tenho, isso sim, um medo sufocante que me percorre a espinha e me vem assombrar a cada noite, que me sussurra encostado ao pescoço, a ameaçar-me, o malvado; tenho um medo sufocante de que esses vazios de silêncio comecem a ser mais frequentes do que os risos e os toques e os olhares.. e que tudo se perca, quando nada se diz.

Tenho, isso sim, um medo sufocante de te perder... por não conseguir dizer, nesses silêncios, que simplesmete não falo não por não te querer bem, mas sim por te querer mais do que as palavras me permitem, ainda que eu seja feita delas.

sábado, 19 de junho de 2010

V, de volta


Estou um bocadinho frustrada hoje, por isso vou escrever sem nexo sobre o que me vier à mente, pode ser?
Saí de um exame de Literatura Portuguesa Contemporânea onde o limite era de cerca de duas paginas e meia e eu escrevi quase quatro; o exame já de si não era pequeno, e as duas horas eram redutoras… Aqui a Madame não acabou de passar o rascunho e está no abismo de reprovar e voltar a visitar outro enunciado na segunda fase. Bonito, hein?


Eu sou uma pessoa que escreve em sítios improváveis; no entanto não sou uma pessoa que escreva sobre coisas improváveis. Tive uma professora de Literatura Portuguesa que uma vez me disse que a palavra ‘coisa’ era a pior de toda a Língua Portuguesa, porque no fundo é dar um nome que nada significa a uma coisa que pode ter muito ou pouco significado.
É mesmo esse o problema do ser humano – a definição. Passamos tempos infinitos a tentar descobrir o que somos, o que vivemos, o que pensamos, o que partilhamos. Nunca ouviram dizer que muito boas relações acabam quando as pessoas se casam? Porque tentam dar-lhes um nome, porque as assinam num papel tosco para mostrar ao mundo em forma de aliança. No fundo é uma necessidade dos cruéis mortais: saber. Definir o que se sente, o que se é, o que se quer; estabelecer prioridades para não andar à deriva nem perder tempo, para não sermos os bobos da nossa própria corte. Um combate ao existencialismo, sem o qual no fundo não poderíamos ser criaturas pensantes, que existem.
É tudo um modo retorcido de carência, se formos a ver; esta necessidade tola de querer nomear algo, como que atribuindo-lhe maior importância consoante a sua categoria – e esperar que nos nomeiem de alguma coisa, para nos darem também a nós uma qualquer importância.
O ser humano é um bicho muito solitário.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

acta

se eu não falar convosco brevemente, não pensem que é por mal...
é mesmo porque a minha fragilidade está no auge
e eu não ando com paciência para a mínima coisa.

a culpa, claro está, é minha.
mas há-de passar.

terça-feira, 8 de junho de 2010

broken

Quebrei as regras hoje.
Perfurei o coração com um ferro em chamas
e ri-me com sarcasmo ao não sentir a dor.
Vai-te embora.
Eu nunca te pedi para ficares
e isso não vai acontecer
só por que agora a tua alma é gémea da minha.
Não, não - eu vou embora.
Vou partir, quebrada,
pelas estradas povoadas
poeirentas
pertinentes...
eu não sei o caminho de volta a mim.
Padeço da doença estranha do ficar,
caprichosa de que me queiras
para que te possa negar
a pulsação dentro do corpo,
o vazio dentro da caixa.
Quebrei as regras hoje -
apercebi-me de que fico
simplesmente por que não tenho mais
onde me esperem.
Doença mórbida esta,
de não saber o que querer quando perguntam
nem o que perguntar quando nos querem.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

não sei o que querer quando perguntam, nem o que perguntar quando me querem...

Hoje lembrei-me. Lembrei-me de estar na aula de educação visual no nono ano e de estar a desenhar o logótipo de um bar que nós as quatro teríamos um dia, coisa de que falamos novamente este sábado. Lembrei-me do meu primeiro blind date e ri-me pela fragilidade das emoções - gostei tanto, tanto de ti. Lembrei-me de Londres, de ele se ter enfiado dentro de um armário e de ter reclamado dos 'trevos' na sande. Lembrei-me do outro que berrava à janela, lembrei-me dela que nos acompanhou até outras partes do mundo, e que agora já cá não está para ver os meus filhos, um dia. Lembrei-me de ter chorado por não querer ser menina das alianças do meu irmão. Lembrei-me da noite em que choramos os três, a ler Fernando Pessoa. Lembrei-me de dançar valsa e de que há fotos e vídeos - ainda não acredito que passei essas vergonhas. Lembrei-me dos teatros, dos textos lidos em voz alta na biblioteca, da vez em que me disseram 'continue a escrever e será melhor que muitos escritores'. Lembrei-me das paixões, uma por uma; do burburinho, das palpitações, da ansiedade na barriga. Lembrei-me do primeiro concerto a que fui, da primeira vez que vi neve. Lembrei-me de Roma, dos gelados, dos artistas. Lembrei-me dos europeus de Arpino e Sulmona. Lembrei-me da fotografia no jornal, da doçura de chegar de viagem e ter tanto para contar. Lembrei-me da noite de S. João, em que passei a melhor amiga por guardar um segredo como tesouro. Lembrei-me dos amigos - dos que fiz, mantive, perdi, reencontrei. Lembrei-me da primeira vez que fui à faculdade. Lembrei-me de a ter recusado três vezes no hi5 e de agora falar com ela sobre tudo. Lembrei-me de ter pensado que o mundo ia acabar quando não escolhi Jornalismo. Lembrei-me da primeira vez que disseram 'andam sempre as quatro!'. Lembrei-me das noitadas a estudar, dos Homens de Amanhã. Lembrei-me da primeira vez em que ajudei o meu sobrinho a fazer os tpc, e da primeira vez em que peguei nos pequerruxos ao colo. Lembrei-me dos meus 18 anos - agora sei que foi o ano mais importante de todos. Lembrei-me de quando via as Navegantes da Lua e sonhava casaar com o Mascarado. Lembrei-me do baile de finalistas que não tive mas que ela me deu, porque no final... estamos sempre juntas. Lembrei-me de ter seis anos e ter recebido um chocolate da professora, por ter conseguido ler a palavra 'pássaros'. Lembrei-me do dia em que o meu sobrinho nasceu; eu era tão pequenina. Lembrei-me de como eram as mensagens de 'bom dia' dele que me faziam aguentar todos os dias. Lembrei-me do livro de curso, das palavras que se vão... Lembrei-me das tardes no sofá dela, a ver séries e devorar tudo o que havia na dispensa. Lembrei-me de ter casado no recreio na escola, e terem atirado arroz em forma de benção - e do significado que Arroz tem para nós, agora. Lembrei-me da minha primeira entrevista de emprego, e de estar sentada no banco do palácio de cristal, quando me ligaram de outro sítio, para uma outra entrevista. Lembrei-me da primeira rosa que me ofereceram, lembrei-me daquele que ia desaparecer mas afinal não. Lembrei-me dos almoços em casa dela, às sextas feiras: pizza e um filme. Lembrei-me da carta que entreguei, quando o pedi para Padrinho. Lembrei-me dos muros, das pedras, da varanda, do vinho, da fonte, das faixas, da t-shirt, das saudações, da capa - agora no armário. Lembrei-me do primeiro romance que escrevi, e das alturas em que não acreditavam que era eu que escrevia o que quer que fosse. Lembrei-me de ter treze anos e ler Florbela Espanca. Lembrei-me da minha cadela, dos meus peixinhos, dos meus hamsters. Lembrei-me da minha avó. Lembrei-me de que cresci sem me aperceber.
Vinte anos, quase quase.
(estou repetitiva, de tão velha, vejam só).

domingo, 6 de junho de 2010

corpo a corpo


Podes pensar que fui eu que perdi, mas olha outra vez.
Encara o espelho; vais ver que não é isso que ele te diz.
Eu não perdi. Eu segui em frente, e escolhi não olhar para trás enquanto tu ficavas parado, na rua, a ver a vida passar por ti e sem acreditares que eu me tinha ido embora.
Eu não perdi. Porque isto não era um jogo, apesar de sempre termos jogado. Porque isto não era uma batalha, apesar de sempre termos combatido.
Agora que parti, estou distante. De mim, de ti, do que foi o nós. Observo tudo o que passou e só consigo sentir rancor por ter ficado tanto tempo, por ter resistido tanto tempo, por ter tentado amar-te tanto tempo.
Eu queria dar-te o mundo. Eu jurei vezes sem conta que nunca te juraria nada, mas no fundo era essa a promessa que eu fazia comigo mesma: dar-te o mundo, porque tu não merecias menos do que isso. Dar-te o mundo, porque eu sabia que amar só fazia sentido se ao nos dividirmos nos conseguíssemos multiplicar. Perdemos-nos nas contas... Mas eu não perdi.
Não perdi porque fiquei sempre, porque te abracei sempre, porque tentei sempre.
No dia em que vimos que o fim tinha chegado, esbocei um sorriso quando me pediste para fazer as malas. Elas estiveram sempre feitas, debaixo da cama, para uma eventualidade como esta. Talvez eu nunca tenha tido intenções de ficar.
E por isso, por isso é que eu não perdi.
Tu é que, sem te aperceberes, me perdeste.

terça-feira, 1 de junho de 2010

(do nada)

Dois passos para trás e esta não é a minha vida.
Assisto a tudo com o olhar pesado de quem vê uma peça de teatro. Um filme quiçá. Um drama.
A banda sonora de péssima qualidade, péssima luz, péssimos actores.
Isto porque ninguém sabe mentir, ninguém me sabe fazer feliz.
O tempo fugiu-me e apanhou-me demasiado preguiçosa para ir atrás dele.
Acordei uma manhã e na rodilha dos lençóis estava a desilusão.
Como eu gostava de sair porta fora e ter um mundo diferente no degrau da escada.
Novos rostos sem os mesmos defeitos, com os mesmos amores, talvez os mesmos ódios.

Nunca percebi a magia do pôr do sol, mas no entanto sempre gostei de o ver nascer.
Talvez seja por que me custa sempre dizer adeus.